Serralves, numa encruzilhada

Maurizio Cattelan
Casa de Serralves, 2025


Desde a direção de Vicente Todolí, o Museu de Serralves optou até hoje por se definir como parte de uma rede internacional de museus focada na chamada ‘arte contemporânea’. Mais precisamente, equilibrando a apresentação de artistas ‘contemporâneos’ e ‘pós-modernos’ com elevada exposição pública internacional e reconhecimento crítico amplo. Em coerência com esta direção, exibiu também, com regularidade, artistas portugueses de maior ou menor notoriedade, nacional e internacional.
A ligação à cidade e aos seus artistas, como, em geral, aos artistas portugueses residentes noutras partes do território nacional e estrangeiro (nomeadamente na Europa nos Estados Unidos) tem sido constante, sem cair no provincianismo, nacionalista ou de género, que, por exemplo, tomou de assalto a política cultural da Galiza. Os artistas portugueses, em geral, não terão, creio, razões de queixa deste museu e centro de arte contemporânea e pós-moderna.

Por outro lado, o Parque de Serralves e as sucessivas intervenções dos arquitetos Álvaro Siza Vieira e João Gomes da Silva têm transformado este equipamento cultural numa das mais notáveis obras culturais do país, que nada deve aos melhores museus e centros de arte internacionais. Com os recursos de que dispõe, não poderíamos, em consciência, exigir que Serralves fosse também uma instituição revolucionária, fundadora de estilos culturais e de gestão. Seguir os bons exemplos, sem retrocessos atávicos, é algo que devemos celebrar, especialmente num país de caciques e intrigas de bairro como o nosso.

Ouço, por vezes, queixas sérias sobre a assimetria existente entre os honorários de quem manda e de quem obedece, sobre o dinheiro que há para uns (estrelas internacionais), e não há para outros (celebridades locais), sobre a carestia do acesso público ao museu e ao parque, que, como acontece no MAAT, e agora também, no subsidiado CAM-Gulbenkian, decidiram em uníssono ajustar os preços dos bilhetes pela fasquia mais alta. São, em geral, preços de Paris, Bruxelas ou Nova Iorque, mas os rendimentos reais dos indígenas, como sabemos, são metade ou mesmo menos dos visitantes de museus do centro e norte da Europa, ou dos Estados Unidos. Em suma, é mais do que exigível, neste particular, uma correção social dos preços das entradas, adequada aos portugueses, pois todos os nossos museus, do CAM a Serralves, passando pelo MAAT e MAC/CCB, são hoje subsidiados, direta ou indiretamente, pelos nossos impostos.

Uma nota final sobre a Casa de Cinema Manoel Oliveira, integrada na Fundação de Serralves: alguém sabe da sua existência?


Reitero o que escrevi noutro comentário: a escolha de Isabel Pires de Lima foi um erro de casting. A Fundação precisa de manter uma ligação forte ao setor económico e financeiro privado do norte do país, precisa, por outro lado, de sangue novo, com provas dadas não apenas no território da cultura, com direções artísticas profissionais, independentes e responsáveis, mas sobretudo nos complexos, sensíveis e exigentes campos do mecenato e da cooperação institucional, nacional e internacional.

Serralves está numa encruzilhada, mas como estava depois da saída de Ana Pinho não estava bem.

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