Fritzi

Isabel Meyrelles (1929-)

Isabel Meyrelles: “Eu era um bicho tão raro que toda a gente me queria ver.”

Conheces a Fritzi?

“Conhecida pelos amigos como Fritzi, Isabel causou escândalo ao fumar cachimbo no café Palladium, e foi detida várias vezes por parecer ‘um homem vestido de mulher’”

A vida

“Quando eu fui viver para Lisboa, expus na “4a Exposição de Artes Plásticas” uns estudos de movimentos da violonista Ginette Neveu. Dias depois recebo uma carta que dizia “Não gostamos” assinado “Os Surrealistas”. Telefonei ao Mário e marcámos encontro no SNI. Ele veio com o Cruzeiro Seixas e tivemos uma longa conversação seguida de muitas outras e acabámos amigos para toda a vida.”

“Em Paris conheci por acaso o Tristan Tzara e a minha costela anarquista ficou encantada em conhecê-lo. Toda a época Dada me foi contada e isso despertou o meu interesse pelo surrealismo que estava adormecido em mim. Suponho que estava à procura de uma fada que me despertasse e essa fada foi o Tristan Tzara.”

A mulher de cachimbo

“Essa história era uma lenda que corria sobre mim, como tantas outras. Só fumei cachimbo em público no Café uma vez para escandalizar o Tenreiro, que trabalhava no SNI e que queria por força conhecer-me. Foi um reboliço no café, eu apaguei logo o cachimbo, o dono do café veio falar comigo e disse-me que era proibido as senhoras fumarem cachimbo nos cafés; nessa altura o meu Tenreiro levanta-se como um leão cavalheiresco e disse ao homem que era mentira tudo o que ele tinha dito, e se queria fazer queixa que o procurasse nestes sítios, e começou a tirar cartões de tudo o que era Governo e terminou a dizer que a avó dele fumava cachimbo. O patrão quase se ajoelhou para pedir perdão, com grande gáudio dos presentes e aqui acaba à minha história de fumar em público. Conheci todos os surrealistas de que fala, noutros lugares. O nome de Fritzi foi-me dado por uma amiga alemã e guardei esse nome enquanto estive em Lisboa. Era uma espécie de anonimato que me dispensava de muitas coisas.”

Natália

“Conheci a Natália Correia numa festa em casa de amigos. Ela pediu-me que fizesse uma escultura dela nua, pois não o queria pedir a um escultor homem. Acedi ao seu desejo e fiz um nu que nunca mais foi visto, pois o futuro marido, Alfredo Machado, escondeu-o imediatamente. Ficámos amigas durante 30 anos ou mais.”

“A Natália, quando eu a conheci, estava casada com o Bill, um americano, e ela atravessava uma época de snobismo, e frequentava condes e marqueses. Só mais tarde, com a morte da mãe, e já casada com o Alfredo Machado, se interessou de novo pela vida literária. Apresentei-lhe o Mário Cesariny e o Cruzeiro Seixas e foi desse encontro que nasceu a antologia O Surrealismo na poesia portuguesa.”

Com efeito, a Natália Correia e eu fundámos um restaurante, o Botequim. Eu era responsável pelo restaurante e ela ocupava-se dos clientes e amigos. Durante uns anos foi divertido, mas depois veio a fadiga, os horários longos e eu, verdade se diga, não me entendia por razões de funcionamento interno, com o gerente, o marido da Natália. E depois as minhas relações com a Natália estragaram-se, pois passei de amiga a cozinheira, o que me custou a suportar. Saí de lá a correr para Paris com uma depressão nervosa que custou a passar.

Surrealismo

Cruzeiro Seixas (1920-2020)/ Isabel Meyrelles (1929)
Sem título
Escultura (cadavre exquis), bronze, assinada por Cruzeiro Seixas e datada de 1952, do outro lado, assinada por Isabel Meyrelles
Dim. 26 x 10 x 16 cm

Poesia

“A minha poesia é um mistério para mim. Acordava e já tinha o poema escrito na cabeça… E por isso que não me considero poeta, eu sei lá de onde eles vêm?!”

PARIS EM 1950

para Robert Desnos

Pequeno pequeno pequeno
ronronava a formiga de dezoito metros
aproximando-se dissimuladamente do Leão de Belfort
mas este fez orelhas moucas,
ele era não apenas de bronze
mas também cartesiano
e dizia para consigo que uma formiga de dezoito metros
não existe
não existe…
No que ele se enganava redondamente
o poeta a criou,
logo ela existe. Q.E.D.
Esteve ultimamente na Praça Denfer-Rochereau?

Isabel Meyrelles

No ano em que teria lugar a beatificada Alternativa Zero (1977), Isabel Meyrelles, qual Fritzi desconhecida, desiludida com o Maio de 68 parisiense, e depois com Lisboa, o Botequim e a amante Natália Correia, levantou de novo a âncora em direção a Paris. Até hoje!


Links

Wikipédia/ Isabel Meyrelles
https://pt.wikipedia.org/wiki/Isabel_Meyrelles

Isabel Meyrelles e o Surrealismo em Portugal
Por António Cândido Franco
https://triplov.com/revistaTriplov/isabel-meyrelles-e-o-surrealismo-em-portugal/

5 Poemas de Isabel Meyrelles (Portugal, 1929)
Floriano Martins
https://revistaacrobata.com.br/florianomartin/poesia/5-poemas-de-isabel-meyrelles-portugal-1929/

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