
Não há nada mais decepcionante do que olhar para os homúnculos que representam o Menino Jesus ao colo ou ao lado da Virgem Maria na pintura medieval. Estes freaks só começaram desaparecer, lentamente, depois do Renascimento, por força do novo Humanismo ascendente, e da vontade de uma nova burguesia comercial endinheirada de ver os seus filhotes propriamente pintados pelos mestres da época.
O realismo dos séculos 16, 17 e 19, nomeadamente no retrato, foi uma exceção à tradição retórica e conceptual (ver ideológica) da pintura europeia, sobretudo religiosa. E no entanto, foi ao realismo, de Goya, Courbet e Manet, de Cézanne e Van Gogh, que o melhor da arte moderna e contemporânea foi buscar as suas ideias e a sua consistência filosófica e estética, tanto na abstração, como na expressão, ou ainda na absorção dessa nova instância realista criada pela fotografia e o cinema, a que chamamos movimento, performance, interação, fenomenologia.
Mas até a fotografia (e os subsequentes meios de representação/comunicação audiovisuais) procuraram e procuram frequentemente fugir à realidade dada a conhecer pela natureza das suas próprias ferramentas. Ou seja, o realismo da fotografia descrito por Rolland Barthes (o seu ‘noema’) não resistiu, por assim dizer, à falsificação fotográfica. Desta questão sobre o valor epistemológico e moral das imagens, que nunca foi resolvida, nasceu mais recentemente a noção vaga de pós-verdade, espécie de mutação textual algorítmica irreversível do que nos é dado ver, ouvir e ler.
De algum modo, desde que criámos um símile eletrónico do mundo, permitindo a duplicação digital de toda a representação do real, a mão humana, e até a sua mente, estão a forçadas a ceder vantagens e oportunidades sucessivas a uma nova escrita do mundo suportada em algoritmos e máquinas, materiais e imateriais, que aprendem.
Da Vinci, tal como Albrecht Dürer, Guttenberg e Georgius Agricola eram grandes entusiastas das máquinas que ajudam a trabalhar, criar e pensar.
Esta brevíssima nota destina-se a ajudar-me a prestar a necessária e urgente atenção aos limites e sobretudo ao potencial da inteligência artificial (IA) na evolução próxima da ciência, da arte e da filosofia.
